Para fazer o Caminho de Santiago, deve-se levar apenas o essencial, afinal, quem decide fazer essa peregrinação sabe, que terá que carregar tudo em uma mochila por mais de 800km. Por isso, cada item deve ser cuidadosamente escolhido, com muito cuidado para não virar um peso desnecessário. Para ajudar aqueles que estão se preparando, eu escrevi dois posts sobre esse assunto, o primeiro é sobre o que levar, e o segundo são algumas gambiarras que ajudam muito o nosso dia a dia.
Entretanto, hoje vou falar das coisas incríveis que vi alguns peregrinos levarem para o caminho, acho que você vai se surpreender com essas figuras!
Pausa para o Café
Aquele era o meu terceiro dia de caminhada, e prometia ser inesquecível, pois, no meio da etapa encontrava-se o Alto del Perdón, localizado a 970 metros de altitude. Apesar da forte súbida e das pedras soltas na trilha, eu estava animadíssima.
O Alto del Perdón é um ponto muito emblemático no Caminho, pois entre os séculos XV e XVI, existia ali, um hospital de peregrinos e uma ermita que se chamava Santa María de Erreniega, e era dedicada à Nossa Senhora do Perdão. Infelizmente a ermita foi saqueada na Guerra da Independência Espanhola e desapareceu completamente, hoje existe apenas um altar em honra à Virgen del Perdón, feito com os restos da antiga ermita. Ainda no Alto del Perdón, desde 1996, existe o belíssimo monumento ao peregrino, uma obra de Vicente Galbete feita de chapas de ferro, que é formada por 14 silhuetas de peregrinos em diferentes épocas, lá se lê: “Onde se cruza o caminho do vento com o das estrelas”, uma beleza!
Bem, depois de encarar a subida, e tirar algumas fotos do monumento, eu resolvi descansar um pouco, enquanto apreciava aquela paisagem maravilhosa. Foi nesse momento que os dois dinamarqueses chegaram. Me chamou a atenção o tamanho da mochila do mais jovem e bonitão, pequena, se comparada com a da maioria dos outros peregrinos. Ele se sentou próximo a mim, me cumprimentou, trocamos algumas palavras banais, ele me ofereceu chocolate, e em seguida eu me perdi novamente em meus pensamentos, curtindo o sol quente e a brisa fresca no rosto. De repente uma frase incomum para o local me fisgou, “Would you like a coffee” / Você gostaria de um café? Com a maior naturalidade possível, o dinamarquês bonitão oferecia café à Lorena, uma chilena supersimpática!!!! Como ela havia aceitado, ele abriu a pequena mochila do “gato Félix”, e o show começou: foi um tal de tirar coisinhas, pecinhas plásticas, monta aqui, gira ali, um pouco de água, um isqueiro, e aquele delicioso cheiro de café tomou conta do Alto del Perdón! Sim, ele carregava uma cafeteira e um fogareiro portátil pra fazer um café fresquinho em qualquer lugar do caminho! Não é sensacional? Ok, você deve estar pensando que não tem nada de essencial em levar uma cafeteira portátil para o Caminho, mas vamos combinar, quem mais, além dele e da Lorena teve o prazer de tomar um café fresquinho no Alto del Perdón? Um luxo, fala a verdade?
As Cinco Coreanas
Apesar de estarem sempre sorrindo, elas interagiam pouco com os outros peregrinos, pois quase não falavam inglês, e espanhol pior ainda. Eram inseparáveis, todas magras, cabelo Chanel, e da mesma altura, dificílimo de diferenciá-las. Todas as manhãs as cinco seguiam religiosamente uma extensa rotina de beleza, cada uma abria vários potinhos de cremes em cima da cama, e metodicamente aplicavam um a um no rosto e em algumas partes do corpo, depois era a vez da maquiagem. À noite, após o banho elas repetiam a rotina, só que com outros potinhos. Entretanto uma delas ganhou o prêmio Master Beauty do Caminho de Santiago, pois, todas as noite ela colocava bobe na franja! Isso mesmo, aqueles rolos plásticos de enrolar cabelo. O mais incrível é que durante o dia, sempre que eu cruzava com essa garota, ela estava de chapéu! Até hoje eu não entendi a lógica desse procedimento! 😮
O Lord Italiano
Matteo é o típico italiano. Simpático, sorridente, conversador, e incapaz de se comunicar sem as mãos. Ficar no mesmo albergue que ele, era certeza de boa comida e muita diversão. Aliás, aqui vai uma dica, quer comer bem? Faça amizade com os italianos, e garanta seu lugar nos deliciosos e divertidos jantares comunitários.
A mochila do Matteo era enorme, certamente pesava mais de 10 quilos, um dia ele reclamou do peso, e eu disse pra ele revisar o que tinha lá dentro e despachar aquilo que ele não estava usando. Para a minha surpresa ele disse que já tinha feito isso, e saiu carregando aquela imensa carga.
Quando cheguei ao albergue de Castrojeriz, localidade que abriga as ruínas del Convento de San Antón y do Castillo de Castrojeriz, (nesse castelo a rainha Leonor de Castilla foi assassinada em 1359), após um dia de chuva e muito barro, fui direto tomar um banho quente. Quando entro no quarto comunitário, encontro o Matteo, parecendo um lord num hotel cinco estrelas, todo elegante usando um belo roupão. Nesse momento, a mochila pesada que ele carregava, começava a fazer sentido. Logo mais, o Matteo resolveu fazer o jantar, todos saímos para comprar a comida e o vinho. Como continuava chovendo, peguei a minha capa, e para minha surpresa, surge o Matteo com um belo guarda-chuva automático! Eu devo ter feito a maior cara de espanto, pois ele abriu um sorriso e disse, “Eu sou o peregrino de guarda-chuva! ”
Fala a verdade, tem como não gostar de uma figura como essa?
O Presente da Alemã
Você acha que acabou? Nããão
A alemã ficou na casa de uma família durante o caminho, e não sei bem o porquê, ela ganhou deles um espremedor de laranjas, daqueles de plástico que a gente gira a fruta para extrair o suco. Um objeto banal, mas ela não se desfez dele, e carregou o bendito espremedor durante todo o caminho. Ok, não é um troço pesado, mas cá entre nós, também não é algo imprescindível, só que o lance não é o objeto em si, mas sim o significado que ele traz consigo. Aquele espremedor de laranja arcaico, tem um valor difícil de ser quantificado, ele representa carinho, afeto, amor ao próximo e mais um monte de outros sentimentos que só a alemã é capaz de dizer, por isso ela o levou consigo.
Cada um sabe o que é melhor para si, o que é imprescindível, o que afetivo, e o que é apenas um luxo desnecessário, depende de cada indivíduo. Na minha opinião, quanto menos melhor, por isso eu considerei cada grama, de cada item que levei, não tinha nada na minha mochila que eu não precisasse, mas essa sou eu.
Por outro lado, os objetos dos peregrinos que eu menciono acima, que no meu ponto de vista pareciam supérfluos, na verdade eram úteis para eles, e o mais importante, contavam um pouco mais sobre suas personalidades, e fizeram deles, pessoas únicas e inesquecíveis para mim. É necessário aprender a respeitar as escolhas de cada indivíduo. Conhecer pessoas que pensam e agem diferente da gente, nos enriquece e nos tornam seres humanos melhores. Portanto, se você quiser levar cafeteira, bobe, arsenal de cremes, roupão, guarda-chuva, espremedor de frutas, ou sei lá mais o que, leve. Afinal, isso poderá tornar você um (a) peregrino (a) inesquecível para muita gente.
E você, conheceu alguém que levava coisas diferentes como essas no Caminho? Conta pra gente.
Ultreya, suseya y buen camino.
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