O QUE APRENDI NO CAMINHO DE SANTIAGO

Quem pensa que o Caminho é um passeio num jardim florido, iluminado por um sol ameno e uma refrescante brisa inspiradora, está bem enganado. O Caminho é uma metáfora da vida, passamos por bons e maus momentos, e é justamente por isso que é uma experiência maravilhosa, porque apesar das dores e alegrias da trajetória, aprendemos muito, e evoluímos enquanto seres humanos. Quer saber como? Então segue lendo.

A pedra no sapato

Chegando em El Acebo de San Miguel – Província de León

O Caminho de Santiago talvez seja uma das experiências em que mais exercitamos a resiliência. Aprendemos, geralmente da pior maneira possível, a respeitar o nosso corpo. Ele é quem manda. Mesmo. Não adianta o cérebro dizer só mais 8km, se os joelhos estão te torturando. Se você não parar e descansar, será muito pior, poderá causar danos sérios que te impossibilitarão de continuar.

Descobrimos que se ignorarmos aquela pedrinha minúscula que entrou da bota, ou a meia que enrugou só um pouquinho, resultará em uma bolha enorme que vai doer por dias. Se não tomarmos água, ficaremos desidratados. Se carregarmos muito peso, teremos dores e poderá por fim a nossa peregrinação, entre muitos outros exemplos.

E o que fazemos na correria do dia a dia? Ignoramos os sinais mandados pelo nosso corpo, avisando que algo vai mal. Quantas vezes postergamos aquela ida ao médico, ou simplesmente deixamos de resolver algo que nos incomoda, que nos gera insônias, dores de cabeça e ansiedade? Por que comemos aquilo que faz o nosso estomago doer? Por que simplesmente não paramos e retiramos as “pedrinhas do nosso sapato”, e seguimos a vida aliviados e sem efeitos colaterais?

A gente passa a vida toda provocando danos ao corpo, nos sabotando, até que chega uma hora, que o nosso organismo esfrega bem na nossa cara, o resultado de tanto descaso, e lá vamos nós, seguindo a vida na base dos medicamentos e restrições, tudo porque ignoramos os sinais que o nosso corpo mandou durante anos.

Amor ao próximo

Coração feito de pedras no meio do Caminho.

Por mais que queiramos fazer o Caminho sozinhos, refletindo com nós mesmos, rapidamente percebemos que precisamos das pessoas. Seja naquele momento em que estamos perdidos, e do nada aparece alguém pra nos orientar, quando estamos com dor e uma alma altruísta oferece ajuda, ou simplesmente uma companhia pra bater papo durante os 17 km em linha reta das mesetas.

Somos seres sociais, precisamos da companhia de outras pessoas. A simples presença de um amigo, em um momento de dificuldade, muda todo o nosso humor e nos fortalece.

 

Ficar sozinho, reservar um momento de reflexão é importante para ouvir aquela voz interior, mas ter amigos por perto, é bom demais.

E olha… Ô coisa boa que é, receber uma ajudinha quando mais precisamos! A sensação é tão incrível, que sentimos vontade de retribuir a gentileza, mas no Caminho, talvez a gente nunca mais encontre aquela pessoa que nos auxiliou, entretanto, ficamos tão gratos, que começamos a prestar mais atenção às pessoas que estão ao nosso redor, para que quando alguma delas precise, estaremos prontos para ajudar, alimentando assim, a corrente do bem.

Mudanças Inesperadas

Pequena Ponte, logo após Burguete.

Muitas vezes, estávamos caminhando felizes da vida, apreciando a paisagem, parabenizando o Criador pela sua obra, quando de repente mudava tudo, surge uma ladeira de tirava o fôlego, uma chuva inesperada ou um caminho cheio de pedras soltas, que nos exige muita atenção. Tirando a gente do comodismo, e impondo uma rápida adaptação à nova realidade. Da mesma forma, em momentos de frio e chuva podemos ser presenteados com lindos cenários, arco-íris magníficos, e sorrisos sinceros.

Exatamente como é a nossa trajetória pela vida. Nunca está tudo perfeito, coisas boas e ruins acontecem o tempo todo, de forma inesperada, mas temos que seguir frente, subir a ladeira, colocar a capa e driblar as pedras, senão não encontramos o arco-íris e muito menos o sorriso. 🙂

A vida dentro de uma mochila

Precisamos nos livrar de tudo que é supérfluo

A preparação da mochila, com todos as roupas e apetrechos que vamos levar para o Caminho, é um momento que exige muita reflexão e coragem, pois ali dentro devemos colocar apenas aquilo que é imprescindível. Precisamos nos livrar de tudo que é supérfluo, de todos os nossos medos e inseguranças, simplesmente porque assim será melhor. Quanto mais pesada for a mochila, mais penosa será a trajetória. Quanto maior for o desapego, mais cômodo e feliz será o nosso Caminho.

Uma das grandes transformações, comuns a praticamente todos os peregrinos, é o desapego no retorno ao cotidiano.

A gente percebe que quanto mais coisas possuímos, mais somos escravos delas. Se compramos um carro top de linha, vamos pagar mais imposto, teremos que fazer um seguro que contemple proteção máxima e ainda teremos medo de parar no farol a noite e ser assaltado. Como o carro é novinho, vamos deixá-lo sempre em estacionamento, vai que alguém arranhe, ou pior, amasse o bendito carro. Em viagens, não deixamos o filho pequeno tomar nada dentro do carro, já pensou se ele derruba e mancha o banco! Entrar com os pés sujos, então, nem se fale! Ou seja, o carro passa a ditar os nossos hábitos, enquanto na realidade o que a gente precisava era apenas um veículo que nos levasse com segurança e conforto para outros lugares, e não um chefe autoritário e severo!

Percebemos que viver com menos é libertador, dá muito menos trabalho. Passamos a valorizar muito mais as experiências e os momentos que passamos em companhia daqueles que amamos.

O Caminho também te modificou?

Se você que está lendo esse texto já fez o Caminho alguma vez, conte aqui nos comentários, quais foram os ensinamentos que você tirou dessa experiência? Você se tornou uma pessoa mais desapegada?

Aqui nesse outro post, você poderá descobrir mais alguns segredinhos do Caminho, aqueles que ninguém te conta. 😊 E nesse outro tem algumas dicas de objetos úteis que vão tornar a sua jornada mais prática.

Caso esteja se preparando para o Caminho, conheça o Manual Peregrino, um verdadeiro guia com tudo que você precisa saber para se preparar para essa linda jornada. É um combo de materiais, criados por mim, com o maior carinho, composto por e-book e videoaulas.

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6 Replies to “O QUE APRENDI NO CAMINHO DE SANTIAGO”

  1. Musa Rabelo Almeida says: Responder

    Uai!!! cadê o comentário que fiz???

    1. Denise Santos says: Responder

      Oi Lindona, estava parado na moderação. Estou na correria,não tinha visto.
      Sorry!

  2. Musa Rabelo Almeida says: Responder

    Para tudo!!! Primeiro: esse post é de set/2019 e só agora estou vendo?! Segundo: você é Mercadóloga ou escritora? Que post lindo, você estava altamente inspirada. Eu já gostava muito da natureza e após o Caminho passei a amar. Descobri também que faço caminhada porque adoro. Nas minhas reflexões durante as caminhadas sempre lembro de algum detalhe do Caminho, é onde a saudade vai apertando e o Caminho nos chamando de volta. Carinhoso abraço, saudades. Musa

    1. Denise Santos says: Responder

      Hahahahahaha Escritora já é demais, quem me dera minha querida. Que bom que gostou. Fico feliz que depois de tanto tempo vc ainda gosta doa meus textos.

  3. Osvaldo Lira says: Responder

    Perfeito. Tive muitas lições. Comecei errando ao sair em horário diferente ao que queria em SJPP. Na inexperiência, comecei forte a saída esperando os Pirineus comecar. Enfim, exausto, descubro que já andei dois km numa certa porteira. Quando atinjo Orisson, penso que ainda falta uns 20. Quando penso que está próximo a descida para Roncesvalles, marca que faltam 9,3km. Dia difícil. Erro de novo saindo muito cedo pra não chegar tarde no próximo ponto pelo número de pessoas que ali vejo. Ando por barro, sem enxergar mesmo com lanterna. Até a famosa placa teve uma péssima foto, a placa de Roncesvalles. Chego cansado na próxima e espero abrir o albergue. Pamplona, terceiro dia. Sou o 3o. Inteiro. Primeiro enorme erro. Cizur menor só mais 5. Trajeto fácil. Não acho a saída da cidade e demoro pra chegar. Chego arrastando a perna direita em cizur. Muita dor. Puente La reina, massagem dolorosa e quase hospital de tanta dor. Até dias depois uma alma dizer pra mexer no alinhamento da mochila. O jeito perfeito das orientações, pra mim não era bom. Um dia depois sem dor. Calculando a média diária. Grande erro. Estava abaixo do que precisava. Uma Sra espanhola me disse pra não forças nas mesetas. Enfim, lá seria fácil. Reta. Acelerar. Recuperar média. Não. Canelite. Outro erro antes. Odiava um espanhol. O jeito barulhento dele. Mesmo albergue todo dia. Até que um dia me vê pelo caminho, sentado lamentando e me pergunta o destino do dia e se tinha o telefone do albergue. Seria o mesmo novamente. Ele me diz: se não conseguir, ligue e chame por mim, volto pra te ajudar. Me senti um lixo humano. Passei a atender todos com dor oferecendo ajudar remédio etc. Chegando em Astorga, naquela barraca antes do violeiro, o rapaz me da uma linda lição qu mudou de caminho: o caminhão (apontado) se faz daqui ate aqui (cabeça x coração), 40cm. Cor o corpo, dor. Enfim, segui todas palavras dele durante este episódio. Por 3 dias andei menos de 20km
    Parei de olhar durante o dia quanto havia andado. As dores se foram,.me livrei de muita coisa. Parava descansar, tirar fotos. Andava mais sem querer ou perceber
    Revi e passei por amigos do caminho que seguiram aos trancos e barrancos sem parar pelas dores. Finalizei em 28 dias. Completo em alma. 3 dias antes do imaginado. Tudo porque parei de lutar com as médias. Passei a aproveitar e sentir o caminho. Muitos erros ou lições necessárias. Mas, como tudo que disse, o caminho não é algo somente lindo em paisagens para aqueles que nos acompanham. Sofremos muito e muitas vezes. Amamos nossos amigos eternos recém conhecidos pelo caminho. Odiamos outros. Nos odiamos. Nos amamos. O caminho é a vida como ela é e como somos com ela. Não devemos imaginar que os km dos mapas são exatos. Não. Os km são medidos de igreja em igreja em linha reta. Andamos muitos mais, mesmo sem errar trajeto. Meu GPS marcou 880km, apesar dos 799km do certificado. Já contamos nas cidades etc nossas andanças em mercado, farmácias, jantar … Desejuno …. Etc … Mas ao final só temos em mente uma coisa: precisarei voltar aqui novamente.

    1. Denise Santos says: Responder

      Osvaldo do céu, que comentário lindo de viver!!!!Muito obrigada por você compartilhar a sua experiência conosco.
      Quem não cometeu erros não fez o caminho, não é verdade?

      Forte abraço.
      Denise

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