PIRINEUS, MANUELA E O CAMINHO

Quando eu me preparava pra fazer o Caminho, via lindas fotos e vídeos dos Pirineus, aquelas montanhas bucólicas, polvilhadas de ovelhas, me fascinavam. Eu pensava, ok, é a etapa mais difícil, mas o visual compensa. Pois bem, eis que chegou o meu dia de atravessas os Pirineus rumo a Espanha, eu estava ansiosíssima para apreciar aquelas belas paisagens, maaaas… bem na minha vez, as montanhas estavam cobertas por uma intensa neblina, que não me permitia enxergar grande coisa. Aliás, em alguns momentos, eu não via nada mesmo. Eu sabia que estava cercada de ovelhas, apenas pelo som dos sininhos que elas carregavam no pescoço, porque ver mesmo, eu não via nada.

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E foi no meio desse forte nevoeiro, em uma ladeira cheia de pedras soltas, que eu percebi um vulto vindo em minha direção, levei o maior susto! Mas logo vi que era uma peregrina, Manuela. Quando me encontrou, perguntou em inglês se estávamos no caminho certo, pois ela não tinha enxergando nenhuma sinalização. Eu respondi que sim, sem ter muita certeza, e seguimos juntas, porque estava realmente assustador.

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Manuela é italiana, quando falava inglês seus gestos eram contidos, mas quando falava em italiano… aí, sim, ela se mostrava por inteiro. Algumas vezes lhe faltava vocabulário, e nesses momentos ela balançava as mãos freneticamente, como se esse gesto pudesse lhe trazer a palavra que falta para completar a frase, e quando a palavra não aparecia ela atacava de italiano mesmo, e foi assim, que percebemos que os nossos idiomas têm muito em comum, e que poderíamos fazer uma espécie de intensivão, ela de português, e eu de italiano.

Manu e a culinária italiana

Não demorou para o tema da nossa conversar chegar em comida. E foi falando italiano, que Manuela expressou sua máxima indignação, quando soube que aqui no Brasil a gente coloca porpeta em cima do espaguete. Ma come è possibile!!! Dizia ela, sacudindo as duas mãos com os indicadores e os polegares unidos, como boa italiana que é.

Engraçado mesmo foi ver suas reações, enquanto eu contava como são as pizzas por aqui, chegou a fazer cara de nojo com o nosso tradicional frango com catupiry. Ela achava tudo tão estranho que quando tive acesso à internet, mostrei algumas imagens das nossas pizzas no Google. Segundo ela, pareciam saborosíssimas, mas definitivamente não eram pizzas. Hahahahahaha

Nos dias seguintes, sempre nos encontrávamos no caminho, nos restaurantes ou mesmo nos albergues. Em Puente La Reina, foi a última vez que nos vimos, depois disso, de alguma forma, nossos caminhos se separaram, eu diminuí o ritmo devido a uma dor desagradável nos joelhos, e talvez por isso nos distanciamos. Eu sempre perguntava por ela para os outros peregrinos, mas ninguém tinha notícias. Um dia alguém me falou que havia cruzado com uma italiana chamada Manuela, mas infelizmente não era ela.

Vivendo o Caminho

No Caminho conhecemos tanta gente, algumas passam brevemente por nossas vidas, outras têm permanência mais longa, entretanto, mesmo agora, decorrido, tanto tempo, eu sou capaz de me lembrar de todas elas, das histórias que vivemos, das risadas, das conversas, tudo com muita nitidez. Talvez porque todas elas cruzaram o meu caminho com algum propósito, que eu não sou capaz de decifrar. Quem sabe seja obra da energia cósmica que circula pela rota que leva a Santiago. Ou, a opção mais provável, é que eu estava vivendo de corpo e alma o Caminho, sem dispersões, com a mente aberta e os sentidos atentos a tudo, podendo registrar melhor os pequenos acontecimentos, e valorizar cada um deles.

Vejo que estamos tão acostumados com a correria do dia a dia, que não conseguimos mais nos entregar de verdade a um momento específico, e mesmo quando podemos relaxar e aproveitar a companhia dos amigos, por exemplo, não valorizamos.

A cena que vou descrever já aconteceu comigo várias vezes: um grupo de amigos, está em uma animada conversa, de repente, uma daquelas pessoas, pega o celular para ver as últimas novidades das redes sociais, ou o mais novo meme do WhatsApp, daí, como em um passe de mágica, todos que estão ali fazem o mesmo, vão viver no mundo virtual, ao invés de privilegiar aquele momento único e precioso.

Está na hora da gente rever os nossos conceitos e priorizar as relações humanas de verdade. Precisamos colecionar histórias e experiências reais, e não curtidas e comentários. Você não acha?

#PartiuViverAvidaDeVerdade.

Se quiser conhecer um pouco mais sobre as minhas histórias, e amigos que fiz pelo caminho, recomendo a leitura desse dois posts: Peregrinos e seus objetes essências e Meus delitos no Caminho de Santiago. Mas se quer se preparar para vivenciar essa linda experiência e não sabe por onde começar, dê uma olhadinha no Manual Peregrino, um material preparatório completo que criei com o maior carinho.

Ultreya, suseya y buen camino.

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